Por Carlos Lula
“Preciosa” (2009) foi um filme de estrondoso sucesso quase uma década atrás cuja mensagem ainda ressoará por muito tempo. Narra uma angustiante, e infelizmente recorrente, história de uma garota de 16 anos, humilhada na escola, agredida pela mãe, estuprada pelo pai – com quem teve dois filhos e de quem contraiu o vírus HIV. Com a falência da instituição familiar, Preciosa – também nome da personagem principal -, está entregue ao sistema e, em alguma medida, deposita nele a confiança por algum futuro, qualquer futuro.
Viver para ela é sinônimo de sofrimento. Durante um diálogo com uma professora que a quer bem, regurgita tudo o que sente simplesmente para pedir que não a amasse – “por favor não me ame, o amor nunca fez nada por mim. O amor me bate, me faz sentir sem valor”. Aquela professora certamente não tinha noção do tamanho da dor com que lidava sua aluna até ali.
No sistema público lidamos com histórias de vida tão angustiantes quanto essa. E mesmo sem saber o que há por trás de cada paciente, sabemos que há uma grande responsabilidade em nossas mãos quando nos dispusemos a cuidar de pessoas. Na saúde estamos presente do nascimento até a morte, sem ignorar que há muitas cruzes sendo carregadas – as nossas e de cada paciente. O mínimo que podemos fazer é nos importar e tentar aliviar o sofrimento de quem busca o sistema público de saúde.
A primeira vez que visitei o Hospital Regional Materno Infantil, em Imperatriz, não pude evitar o choro depois de dali sair. Aquele tipo de lágrima espontânea, provocada pela tristeza. Eu não posso esquecer como aquele ambiente era caótico, desumano. A unidade era indigna das gestantes e crianças recém-nascidas, de todos os profissionais que ali se encontravam. Não era um local para se orgulhar de trabalhar.
Como era possível cuidar de pessoas naquele ambiente? Inaugurado em 1982 e detentor da maior UTI neonatal do Maranhão, aquele hospital não merecia aquele cenário mais. Eu ainda me enfureço com o legado coletivo de irresponsabilidade. Não foi só a política que falhou, mas, de algum, também a sociedade. Onde estávamos que permitimos chegar a esse cenário?
Infelizmente, pairava sobre aquele hospital uma profunda sensação de desesperança. Ou não acreditavam que aquele cenário poderia mudar ou, pior que isso, com ele muitos se acostumaram.
Obviamente não adiantava apenas lamentar: saí daquela visita disposto a fazer algo. A começar a obra, a mudar essa realidade. O discurso da humanização do atendimento é tão bonito quanto importante, mas tornar esse cuidado real é negar a hipocrisia com a qual foi administrada a nossa saúde por tanto tempo.
Esta semana inauguramos a segunda etapa da obra de reforma e ampliação. Como não foi possível parar o atendimento, as obras acontecem em partes, mais lentamente. Nesta fase entregamos totalmente reformados: recepção, seis consultórios, salas de ultrassom, observação e medicamentos, além de 10 enfermarias, com 44 leitos. As obras prosseguirão. Até o final, teremos mais leitos, novas salas de cirurgias e uma estrutura que não deixa a desejar a qualquer unidade particular.
O Hospital Regional Materno Infantil era apenas uma das muitas estruturas sucateadas nesse estado que o atual Governo do Maranhão consegue reverter.
Há pessoas que relegam as mudanças nas estruturas como meros enfeites, numa estratégia esteticamente superficial. Quando se muda a estrutura física, podemos expandir serviços e garantir um melhor acolhimento– que, para nós, é o objetivo em todas essas transformações. Porque histórias como a da Preciosa passam por nossas unidades todos os dias. A vida já é sofrida demais para o sistema responder com mais sofrimento. Que possamos pelo menos oferecer amor, carinho e acolhimento a cada paciente numa estrutura digna e adequada. A esperança que Preciosa não enxergava é o mínimo que podemos ofertar.
Gustavo
7 anos atrás
Olha o professor Fernando Nascimento Morais!