Maranhão tem R$ 447 Milhões reservados para emendas que substituem Orçamento Secreto

Foto Reprodução

Infladas pelo Congresso para substituir o orçamento secreto, as emendas de comissão mantiveram o mecanismo de distribuição contestado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e vêm sendo repassadas de forma desigual pelo país. A repetição da prática voltou a chamar a atenção da Corte, que renovou as cobranças por explicação ao Executivo e Legislativo. Para o Maranhão foram R$ 447 milhões, sendo R$ 66 por maranhense.

No caso das emendas direcionadas à Saúde, alvo de cobiça dos parlamentares pelo potencial de dividendos eleitorais, os colegiados têm privilegiado Alagoas, estado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Procurado, ele não se manifestou.

A maior parte dessas emendas foi destinada pela Comissão de Saúde da Câmara, mas há outros três colegiados autorizados a encaminhar verbas para a área. Levantamento do GLOBO aponta que, com os números ajustados pelo tamanho da população, Alagoas já recebeu até quase quatro vezes mais por habitante do que a segunda unidade da Federação mais privilegiada.

O Ministério da Saúde já empenhou, ou seja, reservou para o gasto, R$ 5,7 bilhões, de acordo com dados do Fundo Nacional de Saúde. Desses recursos, R$ 444 milhões foram para Alagoas, valor equivalente ao de Minas Gerais, que tem sete vezes mais habitantes. Foram R$ 142 por alagoano. Por essa mesma métrica, a segunda unidade da Federação mais beneficiada é o Piauí, com o equivalente a R$ 78 por habitante.

Nos mesmos moldes das emendas de relator, que deram origem ao orçamento secreto, as de comissão não apresentam os reais responsáveis pela indicação — os próprios colegiados aparecem formalmente como autores das indicações aos ministérios. Pelas redes sociais, no entanto, os prefeitos expõem os verdadeiros “padrinhos”.

A distribuição desigual também fica aparente quando são analisados não apenas os valores prometidos, mas os recursos de emendas que já estão no caixa dos municípios e dos governos estaduais. O Ministério da Saúde já pagou R$ 353 milhões para Alagoas, o que equivale a 12,4% do total já desembolsado e representa R$ 113 por habitante. O segundo colocado, Roraima, teve R$ 31 pagos por morador. Mato Grosso, estado com menos recursos pagos até o momento, recebeu R$ 4,96 por habitante.

Cobrança do STF

“Fica evidenciado que não importa a embalagem ou o rótulo (RP 2, RP 8, ‘emendas Pix’ etc). A mera mudança de nomenclatura não constitucionaliza uma prática classificada como inconstitucional pelo STF, qual seja, a do ‘orçamento secreto’”, afirmou o ministro do STF Flávio Dino, que determinou em decisão deste mês a realização de uma audiência de conciliação com representantes de Executivo e Legislativo para explicar os atuais modelos de distribuição de emendas.

O volume de recursos recebidos até agora também se contrapõe a dados da Saúde do país. Segundo informações do Datasus, na categoria “procedimentos com finalidade diagnóstico”, Alagoas foi o 18º estado em número de consultas.

Na categoria “procedimentos cirúrgicos”, o estado do Nordeste fica em 22º no ranking. Alagoas, no entanto, é um dos estados mais pobres do Brasil. No Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que leva em consideração a renda, a educação e a longevidade, o estado é o segundo pior. No ranking, Alagoas aparece apenas à frente do Maranhão, que recebeu menos da metade por habitante das emendas de comissão na Saúde; e logo atrás do Amapá, que recebeu três vezes menos por pessoa.

Presidente da Comissão de Saúde da Câmara, o deputado Dr. Francisco (PT-PI) afirma que “as emendas acolhidas pelo colegiado estão sendo indicadas pelas bancadas partidárias”:

— (Estão sendo) respeitados os tetos de custeio de cada Fundo de Saúde e obedecendo à LOA 2024.

Diretora executiva da Transparência Brasil, Juliana Sakai afirma que existe uma preocupação de que as emendas parlamentares não afetem a qualidade do gasto público.

— Temos visto, acompanhado uma série de levantamentos em que o gasto parece ser muito mais atrelado ao interesse eleitoreiro. Trata-se muito mais de conseguir um quinhão, por parte dos deputados e dos senadores, para ajudar algum grupo e se promover eleitoralmente, do que atender às reais necessidades que o cidadão brasileiro precisa, que estejam alinhadas às políticas públicas brasileiras — disse Sakai.

Os critérios de liberação de emendas da Saúde já foram alvo da reclamação, no início do ano, de Arthur Lira e de deputados aliados. Em fevereiro, um requerimento assinado pelo presidente da Câmara e por outros parlamentares cobrou da ministra Nísia Trindade (Saúde) esclarecimentos sobre o método adotado para direcionar os recursos.

Uma mudança recente também ampliou as possibilidades de indicações de emendas para a Saúde. Os valores, que estavam concentrados em apenas uma comissão, agora estão divididos em quatro: além da Comissão de Saúde da Câmara, outras três do Senado poderão indicar beneficiários para receber parte desses recursos: a de Assuntos Sociais, sob a presidência do senador Humberto Costa (PT-PE); a de Desenvolvimento Regional e Turismo, comandada pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI); e a de Constituição, Justiça e Cidadania, do senador Davi Alcolumbre (União-AP).

Deixar um comentário

HTML tags:
<a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>