Como perder uma guerra

Por Carlos Lula

Carlos Lula, Secretário de Estado de Saúde

Tenho chegado à Secretaria cada vez mais cedo e saído cada vez mais tarde. Com a rotina completamente alterada, restou pouca coisa a não ser mergulhar completamente no trabalho. E o trabalho hoje resume-se a combater o avanço do coronavírus. Temos usado o SUS a nosso favor, reunindo, através de telas de celulares, tablets, notebooks, conversando e discutindo com pessoas que podem estar do outro lado da nossa ilha, ou em outros estados ou em outros países.

Parece que finalmente as pessoas entenderam o peso da responsabilidade que sobre nós caiu. A vida das famílias mudou, e vai continuar em mudança por algum tempo. Precisamos nos acostumar com isso. Mas há ainda um incômodo em mim crescente quando vejo, da janela do carro, os comércios abertos, as pessoas transitando na orla da praia como se estivéssemos em férias. Não consigo não pensar nos seus filhos, nos meus filhos, nos seus parentes e nos meus parentes, por consequência.

Não consigo não pensar nos nossos profissionais de saúde que estão há pelo menos vinte dias em combate diário, expostos e distantes fisicamente dos seus familiares. Penso na dor dos que já perderam alguém para o vírus e que se imaginam, hoje, podendo ter tomado alguma medida restritiva diferente do que fizeram.

O contraste entre a endorfina dos que se exercitam ao ar livre com o luto daqueles que não puderam se despedir de quem partiu repentinamente, sem dizer adeus, sem dizer tudo o que precisava ser dito.

Essa é a nossa maior batalha. E a minha não é melhor ou pior do que a de vocês. O confinamento produz angústia e produz incertezas, e nos coloca diante de questões que alguns de nós gostaríamos de evitar. Mas o esforço aqui é coletivo. Terá sido em vão se, depois de tanta dedicação do Governo do Estado, com a construção de novos leitos exclusivos para o Covid-19, com o desenho do fluxo de atendimento, com a determinação na obtenção dos kits para testes da população, as madrugadas em claro dos nossos técnicos do LACEN, não consigamos suavizar a nossa curva de casos.

Temos visto nos telejornais que nenhum, repito nenhum sistema de saúde do mundo, público ou privado, está preparado para o tamanho deste desafio. Quanto mais ficamos fora de casa, mais espalhamos o vírus. Mesmo sem sintomas, mesmo bem de saúde, você pode espalhar o vírus para outras pessoas, e não vamos dar conta de atender todo mundo.

Um ranking de adesão ao isolamento social divulgado pela Revista Exame, no dia primeiro de abril, revela que 57% dos brasileiros aderiram às medidas restritivas de circulação. A capital maranhense, no entanto, aparece apenas na vigésima posição, com 54,4% de adesão ao isolamento. É um índice muito baixo se quisermos realmente mitigar os impactos do vírus no nosso estado e consequentemente na ilha.

O desespero do Fred Maia, prefeito de Trizidela do Vale, que viralizou nas redes sociais é o retrato do que está em jogo para todos aqueles que se sentem responsáveis pelos seus cidadãos. Indo além da imagem pitoresca que a internet cristalizou, o cenário de repressão policial é o último estágio que pretendemos chegar para que entendamos, de uma vez por todas, que não será suficiente entregarmos o máximo de nós enquanto 40% da população continuar saindo de casa.

Se pegarmos como exemplo a Segunda Guerra Mundial, que durou 2.174 dias e estima-se ter custado 1,5 trilhão de dólares, terminamos ceifando a vida de mais de 50 milhões de pessoas. Isso representa 23 mil vidas perdidas por mês, ou mais de seis pessoas mortas por minuto, durante seis longos anos.

No caso do novo coronavírus, quando escrevo este artigo, temos mais de um milhão de casos confirmados no mundo e quase 60 mil mortes, em pouco mais de 100 dias de circulação da doença no mundo. São quase 20 mil vidas perdidas por mês e não é exagerado fazer a projeção de que estamos diante de uma guerra.

Embora eu não seja um admirador destas analogias de guerra, é fundamental que entendamos que sem suprimentos, sem estratégia, sem harmonia e sem disciplina seremos trucidados. O inimigo não tem pátria, ele ignora nossas estratégias e nossas desavenças locais. É hora de unir forças, porque sem compreensão da gravidade do problema, nós inevitavelmente sucumbiremos.

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