Artigo: O cão de Pavlov

Carlos Lula, Secretário Estadual de Saúde

Amigo leitor, quando eu peço a você que imagine um hospital público, que imagem vem à sua mente? Muito provavelmente uma visão caótica, hospital lotado, pacientes nos corredores, ambientes sujos e escuros. O cenário é quase cinematográfico. Sua mente capta o barulho de pacientes gemendo, profissionais de menos para gente demais.

Ao imaginar este cenário, logo vem a equivocada análise que rotula o Sistema Único de Saúde como ineficiente. O paciente precisa fazer uma cirurgia de coração e acredita que o risco de entrar na sala de cirurgia seja maior que o de permanecer doente. Imagina uma carnificina. Duvida da qualidade profissional. De onde vem essa construção distorcida do atendimento na rede pública de saúde?

Antes de responder à pergunta preciso contar aqui uma experiência conhecida como o “cão de Pavlov”. No início do século XX, o médico russo Ivan Pavlov fez um experimento com um grupo de cachorros. Por um tempo, a cada refeição dos animais, o médico tocava um sino. Depois de um tempo, quando não havia alimento na tigela, toda badalada proposital no sino fazia com que os cães salivassem famintos. Os animais foram condicionados a associar o sino ao momento da refeição. Curioso, não?

Uma das áreas que muito se beneficia com o estímulo psicológico desse estudo é o ramo da publicidade e propaganda. Um comercial na TV, no horário mais quente do dia, te faz ver uma garrafa estupidamente gelada de cerveja e a bebida desce para o copo em câmera lenta. O modelo daquela peça publicitária também está vivendo em um dia muito quente, mas bebe o líquido e ‘mata a sede’ com a cerveja. O vídeo durou 30 segundos e passa dias rodando na TV. Com um tempo, sempre que o dia está muito quente você está com sede, a boca fica seca. Você deseja a cerveja, não a água.

A política também se apropriou desse método. A repetição de imagens e mensagens no cinema, no jornal, na internet sobre a instabilidade em países do Oriente Médio tem favorecido os Estados Unidos, que nesta imagem criada têm justificado certas sanções, invasões, sobretaxas contra estas nações.

Aqui vocês já compreenderam qual é a resposta para a pergunta do segundo parágrafo. No Brasil existe um reforço constante da mensagem que sempre desafia o SUS a provar sua eficiência. Novelas, séries, filmes, reportagens no telejornal. E, para agravar, no intervalo comercial o hospital particular se apresenta como o paraíso na terra. Não é bem assim, contudo.

E isso é tão real que muitas pessoas usam as redes sociais, vejam só, para elogiar um SUS que jamais imaginaram. Claro que o serviço tem inúmeros defeitos, mas com o tempo ele vai sendo aperfeiçoado para melhor e os usuários reconhecem, indicam, compartilham suas boas experiências vividas.

Recentemente, a paciente Maria Lenilde contou sua experiência de atendimento na Unidade de Oncologia do Hospital Macrorregional de Caxias. Tratamento especializado, gratuito, humanizado e que promove bem-estar mesmo em ambiente hospitalar, perto da casa da paciente. Além disso, talvez seja novidade para alguns, o nosso serviço de medicamentos para tratamento do câncer está entre os melhores do Brasil.

No Hospital Macrorregional Dra. Ruth Noleto, em Imperatriz, o aposentado Cícero Pereira do Nascimento relatou se sentir como em unidade particular. O tratamento, o ambiente do hospital, o atendimento profissional se assemelha àquele do comercial, por isso ele fez a associação, mesmo nunca tendo sido atendido em rede particular. Foi a primeira vez que precisou de internação na rede SUS e mesmo assim seu pensamento estava condicionado ao estímulo repetido durante anos na TV, no rádio.

Você já entrou no Hospital Dr. Carlos Macieira? Em algum hospital Macrorregional? No Hospital de Traumatologia e Ortopedia? Ou quem sabe precisou de atendimento na Maternidade Nossa Senhora da Penha? O que deles lhe faz lembrar estar em unidade de saúde pública? Temos os melhores profissionais, os hospitais são limpos, não há ninguém nos corredores, nossas enfermarias com ar-condicionado acomodam poucos pacientes. Tudo bem diferente do que se imagina…

O que aconteceu com nossa relação com o SUS não foi apenas uma má experiência pessoal. Anos de condicionamento recebendo más notícias, quebrando expectativas, vivendo desilusões nos treinaram para o que somos hoje: uma sociedade desconfiada, cética, que sempre espera o pior do serviço público.

Na experiência de Pavlov, reinava a artificialidade e a manipulação, visto que, ao soar a campainha pavloviana, mesmo que a comida não fosse apresentada aos cães, eles já estavam salivando.

Para não nos tornarmos objetos de condicionamento como os cães de Pavlov, temos de romper com essa lógica que reina no SUS. No Maranhão, o conjunto de ações realizadas pelo Governo do Estado tem feito com que paulatinamente os pacientes substituam o sentimento de desconfiança por admiração, alívio e gratidão. Existe um SUS que dá certo e você precisa conhecê-lo.

Por Carlos Lula, Secretário de Estado de Saúde

1 comentários em “Artigo: O cão de Pavlov”

  1. Augusto Ribeiro

    4 anos atrás  

    Se a rede hospitalar pública é, ou se tornou essa “Maravilha” desenhada pelo ilustre Secretário-Advogado-Professor, por quê a classe política, seus filhos e esposas(os) não a usam e são clientes dos hospitais privados e planos de saúde ??? Desculpe Professor, mas nessa falácia eu não acredito e hoje o senhor perdeu meu respeito e sua credibilidade. Triste fim de um profissional outrora respeitável…

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